TEORIA EM TRADUÇÃO:
Deus fingiu não saber ser,
E entregou aos poetas
Mais palavras que saber.
Os poemas, pouco úteis,
Tentavam estar insolúveis,
Enquanto os próprios poetas
Se embebedavam com nuvens.
Ao tomar a extrema-unção
“Ele” trocou de universo,
Desde então escrito nos céus
“Deus é um analfabeto”.
06-07-2011
O algeroz entupiu
A cave está inundada
De excessos e vazios.
Passa-me aí os remédios
Estão ao lado da pistola,
Estou com medo de sair
De perder-me da gaiola.
Preciso mais que a ciência
P’ra explicar este gelo,
De que me servem os mapas
Através do pesadelo?
É mais um pressentimento
Azedado pelo vinho
Eu vou ter que ir dar a volta
Da volta de vir sozinho.
Estou cansado da ressaca
Dos auxílios do lamento,
Da linha sem ligação
De vomitar em silêncio.
Passa-me aí a garrafa
Vou lá deixar a mensagem,
De na passagem do tempo
O tempo não ter passagem.
2011.
Como fera à tua ausência,
E as palavras nascem mortas
Dentro de poemas secos.
Tento arrancar os relógios
Das paredes da poesia,
E procurar-te nos lagos
Onde fomos infiéis.
Será que vamos ter tempo
De somar todas as feridas?
De fazer moldes das rugas
E uni-las nas despedidas?
Será que a partir de agora
A estrada se sobe a medo?
E vais dizendo ao subi-la:
“Que fazes aqui tão cedo?”.
2011.
A ausência mais veloz que o transformismo,
A inútil vontade de ser vago
Pela inútil vontade de ser livre.
E se cuspo esse teu canto é com ternura,
Que me livro de mim mesmo deste rasto,
E se queimo como verme a literatura
É a forma de dizer que não me afasto.
Até hoje sob os ombros só moelas
Nem os corvos têm sombras p’a cobrir,
Nunca vi tanta beleza das janelas
Dessa casa que nunca vou construir.
Procurando agrafos na minha pele
Só os sinos e os cisnes da ditadura,
Ao saber que fabriquei este teu fel
Ao de leve me aconchego em sepultura.
2011.
DEDO NO GATILHO
Fosse o que fosse
Era frio
Como um fio de luz azedo
O silêncio da matéria
Imortal equação
Um homem beija a memória
Com a navalha na mão
E quem será o juiz
Do caminho semi-curvo?
Uma angustia de metal
Indivisível murmúrio
Por muitas cordas que roas ...
Não virás dos mesmos ratos
Que se soltam das pessoas?
Fosse o que fosse
Era frio,
Como um deus morto em Agosto,
Acordado no vazio
Com uma bala no rosto
18/01/2007
O SILÊNCIO INACABADO
No dia em que eu partir
Vai estar alguém junto a mim?
Vai alguém poisar-me a sombra
Na sombra de onde vim?
Será numa estação fria?
Num Domingo inesperado?
Com duas balas no peito
E um violino ao lado?
Será que me vou a rir?
Fumo um cigarro primeiro?
De onde virá a certeza
De que será o coveiro?
De que me serve esta febre?
Estas fábricas de esperânça?
De que me serve esta droga
Que me matou em criança?
A que horas vem a dor?
Vem num combóio de vidro?
De que me serve essa flor
Que ficou presa num livro?
Vou atrasar os relógios,
O tempo não está contado,
No dia em que eu partir
Tu já estarás acordado?
OS RESTOS DA EVIDÊCIA
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
ESTÁ NAS MÃOS.
NO ÚLTIMO DESENHO
DA INCONFORMIDADE.
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
TEM DEDOS.
MISTURA-SE NAS CORES
E DÁ FORMA À GUERRA.
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
RESPIRA,
ASSUSTA E PERSEGUE.
DEPOIS TRANSFORMA-SE EM CORDEIRO
E ACOMPANHA-NOS ATÉ CAIRMOS.
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
NÃO SÃO VERBOS.
SÃO MONSTROS SEM LUA
E MATRAQUILHOS DE PÓ.
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
TEM CHEIRO.
CHEIRO A CARNE HUMANA
COBERTA DE TERRA VERMELHA.
A EVIDÊNCIA DAS COISAS
É TOLERARMOS
QUE, POR DENTRO DE NÓS,
TUDO É TEMPO EM PERMANÊNCIA.
25/04/2008
A NOITE AUTOGRAFADA
A LUA DESTRUIU ESSA FRASE PLÁSTICA.
DEBRUÇOU-SE NA PONTE
À ESPERA DO NUNCA;
PERDEU-SE NA MEMÓRIA
DOS FESTINS DO NADA;
AVANÇOU CO´A ALMA
DUMA ÁRVORE FERIDA;
E ABRIU-SE-ME NO PEITO
IGUAL A UMA PUTA.
DEPOIS CRUZOU PERNAS
NO UNIVERSO TODO;
RIU-SE DA CAMA ESTRANHA
DE ESTAREM TODOS SUJOS;
PEGOU FOGO À IGREJA
NA CIDADE MORTA;
MATOU DOIS OU TRÊS POMBOS
QUE ESTAVAM PERDIDOS;
AVANÇOU NO DESTERRO,
SOB DOIS AMANTES;
BEBEU NA CLAREIRA
UM CORPO AINDA VIRGEM;
TOCOU NA SOLIDÃO
DA MÃO DE UM SOLDADO;
AJOELHOU-SE, ENFIM,
COM AR DE MALDITA
E PARTIU COMO NOIVA
COM BEIJOS NO ESCURO.
HOJE DORME COMIGO
DEITADA NO LAGO
AO LADO DA PISTOLA
A FALAR COM AS CINZAS,
ALIMENTANDO OS TEMPOS
DE VIDAS SEM FUNDO.
MORREU-ME A BOCA TODA
A PREVER MAIS FILHOS.
20/05/2008
O TEMPO SUBLINHADO
SABES QUANDO A CARNE EXPLODE?
QUANDO A SALIVA SE BEBE?
QUANDO HÁ ABUTRES NOS OMBROS
DOS TEUS BONECOS DE NEVE?
JÁ OUVISTE A FOME RIR-SE
QUANDO CEGA AS PRÓPRIAS CRIAS?
VISTE ONDE DORME A SERPENTE
NO RODAPÉ DOS TEUS DIAS?
E QUANTAS NOITES DE AVANÇO
LEVA O MEDO SOBRE NÓS?
SABES QUANDO A MORTE TEIMA
EM NOS AFAGAR A VOZ?
SABES QUANDO É QUE A RESSACA
JÁ É MAIOR QUE O BAGAÇO?
E O GARROTE JÁ É PRESO
COM TERNURA NO TEU BRAÇO?
DEIXA-ME ESSA EQUAÇÃO
ESSA EU POSSO RESOLVER –
DE QUE SOMOS SEGMENTO
DE QUERER E NÃO QUERER SER
05/01/2008
O poema
por muito que respire...
nunca terá pontos finais
CONTROL+ALT+DELETE
vários dias no diário,
só por baralhar palavras
foi enforcado ao contrário.
Sem comentários:
Enviar um comentário