Onde iremos dormir esta noite, Julieta?
Quando eu perdi os meus poemas
E tu deixaste a alma no restaurante
Num carro à chuva
Podemos esconder os nossos corpos
E, por dentro do teu vestido
Eu posso acordar a ponte.
Bem sabes que os Romeus
Estão a sangrar das próprias sombras
E que do lago dos teus olhos
Se vê a lua.
No espelho retrovisor
Não existe ontem nem hoje.
Só o Tejo.
Velho Tejo
Ameaçando canções.
Tudo é possível esta noite, Julieta.
O meu coração transformou-se numa rosa
E não ousa adormecer.
Para lá da incompreensão
Temos as terras estranguladas da voz.
Para lá da máquina do céu
Temos a respiração das estrelas.
Para lá da arquitectura dos anos
Temos as máscaras do tempo.
Vamos apanhar depressa
Os pedaços do nosso amor
Antes que os cabelos brancos
Comecem a doer.
Amanhã temos de acordar cedo, Julieta.
Agarramos de novo o mapa,
Desenterraremos dos olhos
Duas torres de silêncio
E caminharemos tão depressa
Que nem a vida tenha tempo de perguntar onde vamos.
Amanhã já é tarde, eu sei!
Os dias vão deitar-se na nossa cama
A contar-nos segredos terríveis.
Por isso, solta os cabelos, Julieta.
Arranca-me a rosa do peito
E oferece-a à chuva.
Antes do dia nascer estaremos casados.
1995
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